Vítimas sem visibilidade, justiça que não chega.

Um dos sobreviventes da Fazenda Tucumã, Cujubim, 2016.

Janeiro de 2016 começava quente, como tinha sido 2014 e 2015. Com a morte de Ruan Lucas Hildelbrand (18 anos|) e Alysson Hernique Lopes (23 anos). O Vale do Jamari, de Ariquemes, Rondônia, era o pior foco de violência e de assassinatos no campo de todo o Brasil.

Os jornalistas duma conceituada empresa queriam mostrar o lado humano da violência: As vítimas e a dor dos seus familiares. Num carro alugado saímos para Machadinho, para conversar com extrativistas que tinham relatado o horror oculto de torturas e assassinatos de homens solitários, que dentro das reservas extrativistas resistiam os madeireiros sem escrúpulos.

Apesar de ameaçados de morte, um casal deu as caras e acompanharam o jornalista e o fotógrafo mostrando a destruição que avançava nos últimos remanescentes de floresta da região. Pagaram caro a denúncia. Acabaram sendo injustamente expulsos da reserva extrativista, alegando não serem moradores tradicionais, apesar de terem sido aceitos pela Associação de Seringueiros. Na justiça acabaram anos depois ganhando o direito a voltar, mas quando eles já tinham se estabelecido em outro lugar e, a verdade seja dita, vivendo com mais tranquilidade.

Os jornalistas entrevistam José Fonseca de Araújo, Pelé,
finada liderança de LCP de Rondônia.


Em Monte Negro tínhamos combinado para ir na Área do Élcio Machado. O nome foi dado em homenagem à uma liderança do grupo que tinha sido torturada e assassinada em 2009. O caso segue impune, tanto dele, como do companheiro, que foram torturados e matados por jagunços.  Porém foi um dos sete casos que em 2023 tiveram a investigação federalizada a pedido do MPF. La tinha sido recente palco de terror e de mortes. 

Elcio Machado, divulgação do LCP.

Combinamos nos encontrar com o finado Pelé, a única liderança da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) que aceitou falar para  os jornalistas, representando a organização que concentrava o maior número de vítimas.

Chegamos atrasados no boteco de encontro, porém nos orientaram até uma casa onde nos esperavam par almoçar. Relataram o que estava acontecendo. Lá perto tinha sido assassinada fazia pouco, a tiros e machadadas uma liderança que tinha conhecido: Dona Terezinha e o companheiro dela, o Índio. Ela era a principal liderança do grupo. Na noite do dia 22 de novembro Terezinha Nunes Maciano e Anderson Mateus André dos Santos, foram assassinados em casa, na Área Élcio Machado, na linha C 30, no município de Monte Negro. Segundo vizinhos, três homens chegaram de moto, invadiram a casa e deram cerca de 16 disparos de arma de fogo, matérias divulgaram que a polícia encontrou cartuchos deflagrados calibres 12 e 38 e que Terezinha foi golpeada de machado na cabeça e Anderson, o Índio, levou golpes de foice pelo corpo.

Perto da casa dela tinha a cerca de uma grande fazenda que estava sendo palco de nova disputa. Um numeroso grupo de jagunços armados todo dia passava conferindo a cerca para impedir a entrada de sem terras. Porém não tinha ninguém na casa de Dona Terezinha. Familiares de vítimas já tinham sumido e em lugar nenhum não queriam falar, nem se expor.  Nos deram as dicas para procurar em Buritis os pais do Lucas da Silva Costa (31/12/15), que tinha sido assassinado dentro da citada fazenda no dia de começo do ano de 2016. Porém ficou tarde e não conseguimos ir a Buritis.

Mostrando o lugar da fazenda Fluminense,
onde foi achado o corpo de Lucas da Silva Costa, no último dia do ano 2015. 


Pois antes os jornalistas quiseram visitar a fazenda, do poderoso político local onde tinha morrido o Lucas. Vai ter jagunços armados, alertei. Não deu outra. Após dando voltas perdidos, finalmente achamos uma casa, de onde saíram três ou quatro pessoas, escondendo armas longas na rede duma varanda. Mesmo assim, nos receberam. As ordens era não deixar entrar ninguém. Mas eles tinham comunicação direta por internet. Na fazenda toda uma torre fornecia o sinal. Aguardamos. Não muito longe, um deles estava namorando sem desgrudar do celular. Depois de consultar alguém, toparam nos mostrar o lugar onde tinha umas casas destruídas e onde foi achado o corpo do primeiro assassinato registrado em 2016 no campo de Rondônia. “Aqui é onde caiu morto o primeiro corpo, os porcos já limparam o sangue. O corpo do Lucas apareceu lá embaixo.” Perguntei: “Então foram dois? Houve outra vítima?” As informações da mídia repassadas pela polícia apenas falavam duma morte, do Lucas. “Sim, aqui é onde caiu o outro. Carregaram numa rede e sumiram com ele”. Mostrou uma picada que adentrava para a mata. Nunca mais conseguimos comprovar o que houve e quem era a segunda vítima.

Redes
 dos jagunços com armas escondidas.

Além de escassa pecuária de corte, a enorme fazenda contava com tanques de criação de tambaqui. O confronto tinha acontecido perto deles. No interior duma casinha dos cuidadores dos peixes, o chão e o sofá ainda estavam manchados de sangue seca. Outra casa tinha sido destruída e queimada. A freezer destruída, estava fedendo, com muita carne estragando. “Sem terra destruíram e deixaram a freezer cheia de carne? Não faz sentido...” comentou entre nós, um dos jornalistas.

Um dos jovens pistoleiros, que se apresentou como o “Diabo Loiro”, estava louco por aparecer. O fotógrafo queria uma foto com as armas e tentou convencer ele. Mas o mais velho e chefe deles não deixou bater. O citado “Diabo Loiro” mas adiante, apareceu nos jornais sendo preso, identificado como um conhecido delinquente de Ariquemes.

Uma das principais lideranças do Acampamento da Fazenda Tucumã, Ademir de Souza Pereira (+07/07/2017) foi asssasinado em Porto Velho pouco antes do primeiro julgamento do Tribunal do Juri acontecer. Foto divulgação.

Na volta, um suposto vaqueiro pediu carona para ir conosco até Monte Negro, contando mil histórias de violência. Jantamos e quiseram passar pelo quartel da PM. Desaconselhei. Não queria entrar, mas acabei achando melhor ir junto. O policial de plantão nos recebeu com mil questionamentos. Depois soube que ele já estava de castigo, impedido de sair nas ruas durante o seu trabalho.  Exposição desnecessária.

Porém, mesmo para quem queria fazer uma reportagem em profundidade, a luta armada do campo de Rondônia continuava sem visibilidade. Logo depois foi quando houve as duas mortes da Fazenda Tucumá, na Linha 114, entre Cujubim e Rio Crespo. Também no Vale do Anari.

O site de Cujubim, Alertarondonia, fez uma boa cobertura e além dos relatos dos policiais, também citava a versão dos três sem terra, que tinham sobrevivido a uma caçada implacável, no último dia de janeiro de 2016. Dois rapazes estavam desaparecidos. Começava uma nova história que ainda segue sem desfecho. O assassinato de Ruan e Alysson em 31 de janeiro de 2016.

Primeramente a mae de Ruan Lucas cobrou procurar pelo filho desaparecido e se manifestaram diante do Secretário de Estado de Segurança, que tinha visita marcada em Cujubim. Entramos em contato com eles. 

Os pais de Ruan contaram a história do desaparecimento do seu filho.  Enquanto o corpo do Alysson apareceu carbonizado dentro do carro do pai dele, queimado. O corpo de Ruan nunca foi localizado. Durante meses não foi identificado o primeiro, e o corpo podia ter sido de qualquer um dos dois. 

Porém, como as argentinas Mães da Praça de Maio de Buenos Aires, a mãe do Ruan nunca cansou de ir atrás do filho perdido. Sempre cobrou buscas e justiça. Foi graças a ela, que de forma inédita no campo de Rondônia, foram colocados nas grades fazendeiros, policiais e pistoleiros envolvidos no episódio. Uma força tarefa investigou o caso. Começou então a caçadas a testemunhas. Uma liderança do grupo, Eliverlton Castelo, o Ton, foi matada o dia 15/02/2017. Um dos três superviventes, o Baixinho, Renato de Souza Benavides, foi assassinado em Machadinho do Oeste em 04/03/2017. Ademir de Souza Pereira, umadas principais lideranças do acampamento, foi assassinada em pleno dia em Porto Velho, onde tinha se deslocado para uma reunião no INCRA, o dia 07/07/2017. No velório dele um mototaxista entregou uma nota com ameaças de morte para a viuva e o filho dele.

Mesmo assim, eles foram julgados e alguns condenados. Apenas pela morte de Alysson, pois o juri achou que o desaparecido Ruan - o copro dele nunca foi achado - ainda podia estar vivo, apesar  da declaração de falecimento do juiz do caso e pronúncia dos acusados também pela morte deles.

O carro VW Santana com o corpo carbonizado de Alysson Hernique Lopes, de 23 anos.

Ainda, o suposto proprietário da fazenda Tucumã e suposto mandante, o Paulo Ivakami, Japonês, se apresentando como o ingênuo que não era, conseguiu ser inocentado no primeiro júri. Mas foi condenado o pistoleiro Rivaldo de Souza e o sargento aposentado Moisés Ferreira de Souza, e o suposto coordenador da milícia armada e cabo da Polícia Militar, Jonas Augusto dos Santos, assim como o presidente da associação de pecuaristas da cidade de Ji Paraná,  Sérgio Sussuma Suganuma, acusado de intermediar a contratação dos executores. O terror contra os sem terra, que queria ser exemplar, acabou provocando um julgamento que marcou uma redução dos casos de assassinatos de camponeses em Rondônia.

Porém tanto defesa como acusação pediram o cancelamento do tribunal do juri, acontecido em outubro de 2017. Anulada a sentença, os acusados aguardam em liberdade a realização do novo julgamento, marcado e desmarcado, e novamente remarcado para o dia 17 de setembro de 2024 na Comarca de Ariquemes, e já postergado de novo para dezembro. 

 

Armas apreendidas aos pistoleiros contratados pela Fazenda Tucumã,
entre elas, uma arma roubada e contrabandeada do exército boliviano. Foto: Divulgação.

Enquanto algumas das principais testemunhas continuam precisando de proteção, e tiveram suas vidas cotidianas perdidas, precisando fugir de Rondônia. Pois jornalistas de Cujubim, que cobriram o caso foram atacados e tiveram que fugir de Cujubim. Um dos sem terra foi alvejado e ficou aleijado dum braço. Outro dos sobreviventes também foi matado. Houve suspeita de queima de arquivo, no assassinato dum moto taxista da cidade. E as citadas mortes de várias testemunhas e de lideranças do acampamento, assassinadas. Outras, ameaçadas, tiveram que sair da região. E milícias continuam atuando na região, palco da atuação conjunta da “invasão zero” de policiais e jagunços armados em 2023. 

Um panorama de morte e de violência que não podem mais ser aceitas para resolver conflitos e não podem ser mais toleradas no campo de Rondônia. Uma impunidade gritante dos camponeses vítimas da violência no campo. O novo tribunal do juri, após ser anulado o primeiro em 2017, tem sofrido sucessivos adiamentos na Comarca de Ariquemes. O último passou do 17 de setembro de 2024 para os dias 09 a 1 de dezembro de 2024. 

Quando haverá justiça no campo e um pouco de paz para as vítimas?



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