Com o estado temos topado, Belmont.


Desembargador contraria duas sentenças da primeira vara, beneficia empresa e deixa à própria sorte 26 famílias de posseiros há mais de ano despejadas do Seringal Belmont, em Porto Velho. O TJ/RO negou o retorno na área deles em Porto Velho/RO, o 17/11/2023.

A terra pública tomada por uma empresa imobiliária, após o despejo de um grupo de famílias de posseiros, parece ter a proteção de altas instâncias do poder municipal, estadual e federal, que não tolerou à Defensoria Pública e ao advogado na 8ª vara Cível de Porto Velho devolver as terras.

Terras, que tudo indica, foram indevidamente apropriadas por um esquema de grilagem organizado. 

Assim, o mesmo relator que tinha dado decisão favorável a suspensão da liminar de reintegração, agora deu para atrás negando os argumentos de posse da Defensoria para o coletivo de famílias que, com o advogado doente de covid, perderam moradias e roças em plena pandemia.

No esquema de grilagem empresarial que teria duplicado a área da fazenda adquirida, haveria suposto envolvimento do INCRA, registro de cartório imobiliário e escritório de advocacia, que com a reintegração dos posseiros, recebeu até honorários em espécie fundiária acima da área em disputa.  Parece muito investimento para perder para uns pés rapados.

Assim, múltiplas intervenções parecem voltadas a impedir, de qualquer jeito, aos posseiros do Seringal Belmont de retornar as suas antigas áreas de moradia e trabalho, ao pedaço de chão suado onde tinham moradia, e onde tiravam sustento para sim e para as suas famílias, na colheita do açaí nativo da mata, no plantio de banana, de macaxeira, na criação de galinha e de porco. Economia de subsistência, que não é pouco nestes tempos.

Depois de duas decisões judiciais favoráveis para voltar as suas posses roubadas, oficiais de justiça se revezaram numa demora injustificada com a Polícia Militar, uma hora ligeira para intervir a favor dos poderosos, agora, uma maquina emperrada de propósito, que o próprio Comandante Militar do Estado de Rondônia justifica. E se o grupo tivesse a iniciativa de cumprir por conta as decisões judiciais, o que teria acontecido?

De natureza pacífica e ordeira, o povo do Belmont amarga a confiança nas Instituições e no Estado de Direito. E se teve Magistrada que primeiro decidiu contra e depois de ver o outro lado, retificou e decidiu a favor, toda a demora e enrolação de mais de cinquenta dias sem cumprimento das ordens judiciais, serviram para o que queriam: Reverter as decisões com um agravo que negou agora a quem tinha dado a razão primeiro. A decisão dum todo-poderoso desembargador impediu o retorno das famílias as suas antigas posses alegando a irreversibilidade duma situação, que apenas ia reverter um pouco daquilo que os posseiros tinham perdido de forma sumária e sem defesa: Casa, moradia e meios de subsistência.

A Procuradoria do INCRA demorou oito anos para responder ao magistrado federal que o questionava sobre a natureza fundiária do local e o interesse da autarquia sobre a área. Os acampados demoraram dez meses (e precisou a troca de governo federal) para conseguir que os georreferenciamentos viciados do local, a base dos cadastros rurais que justificou seu despejo,  fossem administrativamente cancelados pelo INCRA. Decisão apoiada pelo MPF. 

Ficou demonstrado que a empresa desatualizada não era proprietária de fato do local em disputa. Que correspondia a tal demonstrar que ocupavam a posse do local com anterioridade às família agora despossuídas por eles.

O enfrentamento deste povo também tem passado pelo descaso e oposição tenaz da Prefeitura Municipal de Porto Velho, que momento nenhum atendeu as ordens judiciais e nem cadastrou as famílias convertidas pela justiça em carentes e extremamente vulneráveis, e apenas entrou na justiça para os expulsar da via pública. Pois moveu céus e terra para os tirar da frente do Parque Natural, que foi fechado ao público alegando problemas estruturais, que nada tinham a ver com os acampados. Que nunca ocuparam o espaço municipal e apenas se mantém acampados na praça, em frente ao estacionamento público. Onde tem sofrido com uma epidemia de malária que já tem deixado dois velhinhos internados.

Famílias que resistem reiterado enfrentamento da Polícia Militar, que sempre os destratou como vagabundos, apenas por querer voltarem as suas casas. Apesar de terem a reintegração de posse suspensa. Após um violento e traumático ataque de milícias armadas, que no meio da noite meteu fogo na aquela única casa que tinha ficado em pé, sem ser destruída e enterrada no chão, como as outras moradias. A Polícia Militar tratou as vítimas como criminosos, e em vez de os proteger da ameaça de outro brutal ataque, foi lá e os expulsou, agora sem ordem judicial, de suas posses antigas, aplicando abusivamente um flagrante de esbulho possessório. Esbulho de suas próprios posses?

Polícia Militar que fechou os olhos aos pistoleiros encapuçados que impediam a livre circulação por uma estrada pública construída pela Secretaria de Agricultura a favor dos posseiros. Que na época até padrão e contador de energia tinham. Polícia Militar que após sair do Incra, os ameaçou e impediu de acampar numa área cedida por um sitiante, solidário com os seus vizinhos.

Uma Polícia que mobilizou mais de dez viaturas, quando eles foram fechar as valas abertas, que lhes impediam o acesso as suas terras, por direito. Mas no dia seguinte se negou, junto com o oficial de justiça, a sequer abrir um cadeado, e queria decidir o caminho que os mesmos deviam seguir, impedindo de fato o cumprimento de uma ação judicial. Que o próprio Comandante Geral da Polícia Militar de Rondônia quis justificar, aplicando um protocolo indevido a situação.

Um grupo que teve que enfrentar cinco Oficiais de Justiça, que não tiveram nenhuma dificuldade para achar o caminho e os tirar em plena pandemia, em janeiro de 2020, os deixando vulneráveis, até o ponto de alguns falecerem e outros ficaram pedindo esmola nos semáforos das ruas. 

Do outro oficial que fez inspeção judicial, mas não chamou para vistoriar a área, a nenhuma das famílias acampadas e posseiros legítimos do local. E não citou no relatório os usos indevidos da área para pasto de bois e cavalos, e nem viu, nem citou a construção duma casa nova, por um dos advogados da parte contrária, em área recebida em suposto pagamento dos honorários.

Oficiais que na hora de cumprir a ordem do retorno imediato, diziam não conhecer as vias de acesso ao local, nem quis abrir as porteiras fechadas, e que entregaram o mandato, sem ter cumprido a decisão judicial. Nem este, nem os outros dois oficiais que seguiram, depois da ordem do retorno ter sido ratificada por um segundo magistrado da 8ª Vara Cível de Porto Velho que tinha dado dez dias para cumprir a decisão.

Nunca vimos uma reintegração de posse ser cumprida com a mesma lentidão e ineficácia. De dato, as autoridades de Rondônia tem mais prática para efetuar reintegrações, do que para levar de volta famílias as suas antigas posses.

Pois não se tratava de tirar ninguém, apenas de levar as famílias de volta para onde era o lar deles. Por duas vezes as famílias despossuídas ficaram aguardando o oficial com as mudanças acima dos carros, prontos para começar a pôr fim a tanto sofrimento. E tiveram que tirar tudo de novo e acampar novamente na rua.

A decisão agora, do agravo no Tribunal de Justiça, desdiz do relatório da Defensoria Pública e do Estudo Psicosocial da UNIR que mostrou, uma por uma a origem e grau de vulnerabilidade das famílias com todo este calvário judicial.  Qual mensagem repassa para os coletivos com menos acesso à terra e à justiça? Ao povo mais vulnerável socialmente de nosso estado de Rondônia. Aquele que um louco deixou escrito numa Bíblia Sagrada, citando Romanos 4, 15?

Como disse uns anos atrás o profético Dom Sérgio Castriani, na época Arcebispo de Manaus, aos seus colegas do Amazonas, que tinham tirado de um dia para outro 500 famílias de Manacapuru, passando por cima dum juiz criterioso: “Quem tomou esta decisão deve ser responsabilizado".

Foto dos acampados do Seringal Belmont: Tirando açaí nativo da mata.  

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