Missão do Conselho Nacional de Direitos Humanos relata graves violações em Rondônia.
CNDH realizou a missão em Agosto de 2022. Imagem: CPT Nacional. |
Ontem 21 de março, o Conselho Nacional dos Direitos
Humanos - CNDH finalmente divulgou, relatório aprovado em assembleia da missão
realizada ainda em agosto do ano passado em Rondônia. Uma segunda missão motivada pela falta de avanços significativos após a
primeira missão do CNDH em Rondônia em 2016.
“Pouco se
avançou dentro das estruturas governamentais para efetivamente combater a
violência no campo, tanto que no período de 2016 a março/2022 o CNDH recebeu
cerca de 17 denúncias referentes a conflitos fundiários agrários com índices
alarmantes do número de assassinatos de camponeses e outras lideranças de
movimentos sociais no estado de Rondônia, evidenciando um alto grau de
tensionamento entre comunidades inteiras com a política de desenvolvimento
adotado pelo Estado, fortemente pautada na expansão da soja, bovinocultura, no
desmatamento, mineração e hidronegócio.” (CNDH. Relatório da missão contra
violações de direitos humanos decorrentes de conflitos agrários no Estado de Rondônia
22 a 26 de agosto de 2022, p. 03)
Entre as denúncias recebidas citam
as ameaças de despejos judiciais que atingem a pavorosa quantidade de 16.500 famílias localizados nos municípios de Porto Velho, Nova Mamoré, Candeias do Jamari,
Itapuã do Oeste, Guajará Mirim, Machadinho do Oeste, Ariquemes, Campo Novo de
Rondônia, Buritis, Jaru, Cacoal, Rolim de Moura, Alta Floresta do Oeste,
Chupinguaia e Vilhena. A maioria ameaçadas por liminares de reintegração decididas sem o necessário contraditório e cuidado. E das quais nove mil famílias são posseiros situados em áreas
rurais, que podem perder terra e moradia.
Entre as situações acompanhadas, o CNDH também cita violações relacionadas aos estudos e licenciamento de projetos de hidroelétricas, entre elas as provocadas pelas usinas do Rio Branco, em Alta Floresta do Oeste, e as provocadas pelo projeto de Tabajara, em Machadinho do Oeste, atingindo indígenas e ribeirinhos. Como a denúncia das crianças do Rio Madeira e Machado, que já estavam por quatro anos sem transporte escolar.
Numa visita à região de
Machadinho a Missão constatou novas denúncias de violência e de ações truculentas envolvendo autoridades contra
os extrativistas da Resex Aquariquara, do Vale do Anari.
Ainda, em relação ao tema agrário, o relatório considera como um dos
cenário que provoca graves violações a idealização do projeto de nova Zona de
Desenvolvimento (AMACRO), espelhada no Matopiba, que compreende o sul do Amazonas, o leste do Acre e o norte
e noroeste de Rondônia. Uma área de 32 municípios, a ser conhecida como Zona de
Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira. Um projeto institucional que segundo
o relatório:
“Roteiriza o
saque a terras públicas (grilagem), e expande a violência contra a natureza, o
meio ambiente, as águas, as florestas e seus habitantes, sobretudo os povos e
comunidades tradicionais”. (p.11)
Nesta região do norte de Rondônia
é onde tem acontecido as piores violências dos conflitos agrários de
2021, registrados no “Caderno de Conflitos no Campo: Brasil 2021” da Comissão
Pastoral da Terra, que aponta no estado ocorrências em 76 Conflitos no Campo,
afetando arredor de 28.904 pessoas, e o maior índice de crimes contra a vida já
registrados naquele ano no campo no Brasil, sendo contabilizados 11
assassinatos, dez deles na região do Distrito de Nova Mutum.
Dez destes assassinatos
aconteceram na área da Ocupação Tiago Campim dos Santos, vinculada a Liga dos
Camponeses Pobres (LCP), que a missão do CNDH também visitou o dia 23 de agosto
de 2022.
“Região
marcada pela violência extrema com um elevado número de assassinatos de
camponeses vinculados ao movimento social bem como de agentes públicos da
segurança que supostamente estariam envolvidos com a pistolagem, segurança
privada armada e milícias no campo”. (p.98)
Uma área de conhecida grilagem de terras públicas, sob
morosa disputa judicial, onde a missão ouviu as famílias do local e conclui
sobre a atuação das forças policiais:
“Todas as
narrativas ouvidas pelos conselheiros do CNDH indicaram o uso excessivo da
força; a abordagem militar desproporcional; violência física, mental e verbal;
técnicas de tortura; truculência, provocação e humilhação; abordagens
realizadas até mesmo nas linhas vicinais de acesso ao Acampamento.” (p.106)
Diante da situação, o relatório apresenta
a necessidade urgente de ação estratégica conjunta entre governo federal e
estado para sanar a situação de conflitos agrários na região. Assim como “o
combate a grilagem, a punição de criminosos e a retomada de uma política
efetiva de Reforma Agrária”. (p.107)
Outro dos relatos destacados é o
elevado número de prisões acontecidas contra os movimentos sociais, incluindo a
criminalização de advogados populares que os defendem. O relatório do CNDH tem
acompanhado o processo contra a advogada da LCP Lenir Correia, que sofre perseguição
judicial por sua atuação em defesa dos grupos vinculados a entidade. Ela há
tempo também sofreu ameaças de morte e foi incluída no programa de Proteção
Federal aos Defensores de Direitos Humanos. Em Rondônia há dezenas de
defensores e defensoras de direitos humanos protegidos pelo programa federal:
“Atualmente,
somente o Estado de Rondônia conta com mais de 38 assistidos no programa de
proteção federal, é esse número cresce a cada dia e de forma ininterrupta. Importante
ressaltamos que o risco não é unipessoal, mas ele atinge inúmeras comunidades,
tornando-se coletivo.” (p.109)
Apesar disso não existe programa
estadual de proteção aos defensores de direitos humanos, nem apuração efetiva das
denúncias levadas através dos boletins de ocorrência, que em sua maioria sequer
chegam a um processo investigativo. Destacando o contexto de permissividade de
invasões territoriais e a impunidade da violência, como um dos principais
fatores das ameaças que sofrem especialmente aos povos indígenas e tradicionais.
Além de atender aos movimentos
sociais, não faltaram em agosto de 2022 visitas da Missão do Conselho
Nacional de Direitos Humanos as instituições estaduais de Rondônia. Em reunião
no Tribunal de Justiça de Rondônia – TJRO/RO foram recebidos pela Corregedoria
- Geral do Tribunal de Justiça, porém a reunião com os representantes da cúpula do judiciário rondoniense foi qualificada de “frustrante” segundo
as considerações da equipe.
Ainda, a reunião com o Governo do
Estado também não mereceu considerações positivas:
“A reunião
ocorreu num ambiente extremamente negativo e intimidador ao começar pela
disposição dos participantes na mesa de reunião (...) O Chefe de Gabinete do
Governo do Estado, Cel. Raulino, controlava e direcionava as falas. Para cada
ponto abordado por algum dos Conselheiros do CNDH na reunião era dada uma resposta
evasiva e na defensiva, com uma evidente argumentação criminalizadora, desqualificando
as organizações sociais.“ (p.118)
Melhores considerações mereceu a
visita à Procuradoria Geral de Justiça, Ministério Público Estadual – MPERO, elogiada pela criação de novos grupos de ações estratégicas. A Missão do CNDH solicitou
ao MPERO o acompanhamento prioritário das ações que envolvem as massivas situações de
despejos, espaços nos quais também têm acontecido algumas das mais graves violações
aos direitos humanos ocorridas no estado.
O CNDH chama a responsabilizar os
atores econômicos que se beneficiam das violações. A proteção efetiva dos defensores e defensoras dos
direitos e anima à retomada da governança socioterritorial da Amazônia, com
uma atuação normalizada e fortalecida das instituições de controle,
fiscalização e combate ao crime ambiental e à violação dos direitos humanos que
atuam em Rondônia, Amazonas e Acre. Com o planejamento continuado de operações
conjuntas de MPEs, do MPF, DPEs, DPU, IBAMA, ICMBIO e PF, para “investigar e
desbaratar quadrilhas em que se mesclam mineração, agronegócio, grilagem,
pistolagem e crime organizado”. (p.123)
Entre as recomendações destacadas está a suspensão
do Programa de Zona Desenvolvimento Sustentável (AMACRO). A apuração até agora inexistente dos crimes
acontecidos com camponeses. A reativação da Mesa de Diálogo e Mediação de Conflitos. A criação
do Programa Estadual de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos.
A criação duma Ouvidoria Agrária e duma Ouvidoria Externa da Polícia Militar. A
melhora da gestão nas unidades extrativistas. Maior rigor nos licenciamentos dos
empreendimentos hidroelétricos, com realização de protocolos de consulta,
ampliação dos estudos a todas as comunidades atingidas. A proteção frente
invasões das comunidades indígenas e tradicionais. O cancelamento dos Cadastros
Ambientais Rurais em áreas de conflito, terras indígenas ou quilombolas. A
retomada do Programa de Reforma Agrária. A demarcação dos territórios indígenas
miquelenos, puruborá e cujubim, pendentes há mais de quinze anos. Entre muitas recomendações que apresenta um variado mosaico de propostas de ação para as diversas esferas de poder público. .
Os representantes da Missão se
reuniram também com mais de vinte instituições e organizações sociais,
destacando a gravidade das violações constatadas pela Missão e vendo a
importância duma atuação em rede dos movimentos em defesa dos direitos humanos
no Estado de Rondônia, para incidir diretamente nas estruturas locais e
fortalecer a atuação do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CENSEDH).
“O que está em
questão hoje, na Amazônia, e particularmente em Rondônia, é a criação
paraestatal e paramilitar de dispositivos perpetradores de genocídios e de
ecocídios continuados. Não se trata aqui de eventos isolados, mas de um método
que reorganiza os processos produtivos sob impulso da máxima rentabilização, apelando
para a sintetização de povos e territórios na forma de custos e riscos
financeiros.” (p.123)
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