Campanha da Fraternidade e fome em Rondônia.

 


Mais um ano a Campanha da Fraternidade da Quaresma vem nos lembrar da necessidade de nossa conversão pessoal e coletiva, de apresentar para nosso mundo novos gestos de partilha, que sinalizem que o Reino de Deus já está entre nós.

Por isso a Campanha da Fraternidade de 2023 debate o combate à fome no Brasil, com o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer” Cf. Mt 14, 16.

Nesta Criação maravilhosa que Deus  deixou para todos, a Terra continua sendo uma mãe fecunda e generosa, que produz com fartura alimentação para toda a diversidade de Vida da Casa Comum. E mesmo assim, na humanidade continua havendo escandalosas necessidades entre nós, irmãos, filhas e filhos do mesmo Pai Amoroso. Há necessidades básicas, de falta de comida e nutrição adequada, com carência dos bens mais básicos da subsistência. Fome mesmo. Segundo a organização Manos Unidas, atualmente no mundo cerca de 8,7 milhões de pessoas morrem de fome todos os anos, 24 mil por dia, uma a cada 4 segundos, das quais 2,7 milhões são crianças. [i]

Entre nós a triste realidade da fome também voltou a crescer. Nos últimos anos no Brasil apenas 4 entre cada 10 famílias conseguem acesso pleno à alimentação.[ii] Após o COVID, em pouco mais de um ano, a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos, e cerca de metade das famílias que deixaram de comprar, arroz, feijão, vegetais e frutas, continuam com dificuldades para se alimentar adequadamente.  Atualmente mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave (fome). Com mais de 33 milhões de brasileiros passando fome, o país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990.

E os piores índices da fome correspondem a nossa região Norte, até mesmo em Rondônia milhares de famílias também enfrentam alguma dificuldade na alimentação, sendo estas mais da metade da população (53%). Há arredor de 92.578 pessoas passando fome em Rondônia, (15,1% da população com insegurança alimentar grave).[iii]

Esta realidade surpreende e revolta num estado com mais de 16,2 milhões de bois[iv] (quase 9 bois por pessoa), e que apresenta uma estimativa de produção de soja para 2023 de 1,68 milhão de toneladas, (925 kg de soja por pessoa)[v]. Aqui não temos problema de falta de produção de alimento, mas de péssima distribuição.

Não podemos pensar que isso seja natural, nem podemos pensar que quem passa fome, seja apenas por culpa dele mesmo, mas da desigualdade e injustiça, da ganância e concentração de terras. Um pecado estrutural, da nossa sociedade. Em parte, de todos nós. Daí a necessidade de mudanças e de conversão não apenas individuais (como consumir menos carne), mais também  coletivas.

Ao final, com menos de um terço das terras dedicadas a agricultura, pela agricultura familiar de Rondônia são produzidos boa parte dos alimentos básicos que chegam a nossa mesa: 84% da produção do feijão, 88,8% da mandioca, 90,4% do café, 86,2% da banana, 93,1% do abacaxi, 88,1% do leite...[vi] A maior parte fruto de assentamentos de reforma agrária.

Apenas a Mãe Terra pode produzir alimentos para as necessidades de todos os filhos da Criação de Deus. Aqui não falta a chuva, nem falta a terra. Por isso, um caminho certo para combater e enfrentar estruturalmente a fome é reconhecer e proteger os territórios das comunidades tradicionais e indígenas, assim como distribuir terras públicas ou ociosas para as famílias carentes. Cinco acampamentos reivindicam terras para assentamento atualmente em Rondônia. 

E dar mais apoio à agricultura familiar e à produção de alimentos saudáveis, sem veneno, inclusive nos quintais das casas. Sem esquecer mais oportunidades de estudo e de trabalho digno, mais solidariedade e políticas públicas adequadas.

A fome é um problema social, político e econômico. E é papel do Estado estabelecer mecanismos de redução da desigualdade e de combate à fome. E o problema da fome é urgente, pois quem tem fome tem pressa. [vii]

Por isso corresponde a todos nós promover medidas para impulsar agora o alimento necessário para todas as famílias, começando pelos idosos e as crianças. Disponibilizando nossas orações, nossos corações, e também agindo eclesialmente para superar a fome. Emergencialmente e promovendo mudanças estruturais, como fazem tantas paróquias e pastorais sociais de nossa Igreja. Seguindo o mandato do Mestre aos seus discípulos na partilha dos pães e peixes: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’." (Mt. 14-16)



[i] Dados da organização Manos Unidas.

[ii] Dados do segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da rede Penssan, citado por https://www.oxfam.org.br/noticias/fome-avanca-no-brasil-em-2022-e-atinge-331-milhoes-de-pessoas/

[iii] https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/09/OLHEEstados-Diagramac%CC%A7a%CC%83o-V4-R01-1-14-09-2022.pdf

[iv] Dados registrados pela Agência de Defesa Sanitária Agrosilvopastoril (Idaron) apontam que o rebanho bovino de Rondônia possui 16.240.416 cabeças de gado. https://www.portaldbo.com.br/rebanho-bovino-de-rondonia-ultrapassa-as-162-milhoes-de-cabecas-aponta-idaron

[v] As informações são do 5º Levantamento da Safra de Grãos, divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). https://www.rondoniagora.com/agronegocio/producao-de-soja-devera-alcancar-1-68-milhao-de-toneladas-em-rondonia

[vi] https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/55609579/artigo---qual-e-a-participacao-da-agricultura-familiar-na-producao-de-alimentos-no-brasil-e-em-rondonia#:~:text=%2C%202017%2D2018.-,A%20produ%C3%A7%C3%A3o%20da%20agricultura%20familiar%20em%20Rond%C3%B4nia,nacional%20de%2076%2C8%25.

[vii] Foi em 1993, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida para melhorar um pouco a vida de milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza. Com o slogan “Quem tempo fome tem pressa”.

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