Para que a Amazônia deixe de ser uma terra sem lei

 


Finalmente, após mais de dois anos da morte do indígena Ari Uru Eu Au Au, a polícia federal apresentou a prisão dum suspeito deste assassinato, mas ainda não divulgou o nome. 

Há informações de que ele já foi preso faz alguns dias, no transcurso duma operação contra madeireiros que invadiam a terra indígena. Vários maquinários e motosserras foram apreendidos. Vai ser difícil ninguém dizer que a morte de Ari não tinha nada a ver com os crimes ambientais e o saque de recursos naturais do território indígena. 

Por outro lado, esta será a primeira apuração do total de 16 casos de mortes registradas desde 2020 até agora pela Comissão Pastoral da Terra,  correspondendo a pequenos agricultores e a este indígena, assassinados em conflitos no campo de Rondônia. 

Para começar a aparecerem resultados da investigação da morte de Ari Uru Eu Au Au foi precisa uma intensa pressão nacional e internacional de cobrança do movimento indígena, em especial da Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau – Jupaú e a Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé, que tem divulgado uma nota (ver abaixo) após o anúncio da Polícia Federal. 

De fato, já está na hora que, tanto em Rondônia como em toda a Amazônia, também pelas forças do Estado, se apure toda a violência praticada por pistoleiros e milícias armadas, que continuam agindo com quase total impunidade contra sem terras, posseiros, comunidades tradicionais e povos indígenas. Como aqui estamos denunciando: A semana passada houve a queima de casas e ameaças a um acampamento inteiro de oitenta famílias, em Theobroma. Em junho, o homicídio de Weslei Flabio da Silva, liderança da Associação Nova Esperança, na mesma região de Campo Novo de Rondônia.

A falta de apuração dos crimes e da violência praticado contra os pequenos apenas provoca reações de vingança e novas violências. Ainda, as forças policiais, também não podem agir procurando vingança por eles mesmos, nem retaliação da morte de outros policiais. Que os culpados sejam identificados, detidos e colocados a disposição da justiça. Das 11 mortes registradas pela CPT o ano passado, oito correspondem a atuação de forças policiais. Ainda com maior gravidade, duas delas de policiais atuando em serviço particular da suposta proprietária duma terra no Distrito de Abunã. 

Uma atuação parcial do sistema só ajuda a espiral de violência a continuar a crescer. Isto só facilita ao crime organizado tomar conta do garimpo, da madeira, do desmatamento e grilagem de terras.

Uma especial atenção e prioridade precisa ser dada para os crimes no campo que atingem os pequenos agricultores, indígenas e comunidades tradicionais, que no momento dificilmente são apurados. Começando pelos que praticam ameaças e intimidações. Para que a Amazônia deixe de ser uma terra sem lei, e seja freada a espiral da violência e do crime organizado.

Veja abaixo a nota citada:

PRISÃO DO SUSPEITO DE ASSASSINATO DE ARI URU-EU-WAU-WAU 

A Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau – Jupaú e a Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé, aguardam novos detalhes sobre a prisão preventiva, realizada hoje pela Polícia Federal, do principal suspeito de ter assassinado nosso parente Ari Uru-Eu-Wau-Wau há dois anos. Detalhes como a identidade do homem e a motivação da morte são de fundamental importância para a família e demais indígenas Uru-Eu-Wau-Wau. O crime ocorreu em meio à falta de fiscalização, invasões de terras por grileiros, garimpeiros e madeireiros. 

Esperamos também que esta Operação Guardião Uru, nome dado em homenagem ao Ari, ajude a solucionar outros crimes cometidos na região. Seguiremos acompanhando o caso até a efetiva punição com os rigores da lei dos envolvidos na morte de nosso parente e a saída dos milhares de invasores da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau. 

Para nós, é muito importante ter a proteção da Polícia Federal, pois outros indígenas e ativistas estão ameaçados de morte por defenderem a floresta. Ari Uru-Eu-Wau-Wau é retratado no documentário "The Territory” (O Território) já exibido e premiado nos principais festivais de cinema do mundo neste ano. Coproduzido por nosso povo e com produção executiva de Txai Suruí, "The Territory" retrata a nossa luta contra o desmatamento e tem previsão de estreia no Brasil para este segundo semestre. 

A prisão deste suspeito ocorre um mês após a morte de Bruno Pereira e Dom Phillips, que gerou grande comoção, no Brasil e no exterior, em relação à violência que domina a Amazônia e nos aterroriza. Nesse sentido, ela pode ser vista como um sinal para aqueles que praticam ilegalidades nos nossos territórios de que a Polícia Federal não será leniente. Sabemos que o atual governo utiliza uma política de morte, genocida, que atenta contra a vida dos povos indígenas. 

As dificuldades enfrentadas pelo povo e pela Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau têm sido amplamente denunciadas pela comunidade aos órgãos competentes, mas nenhuma providência foi tomada. O cruel assassinato de Ari Uru-Eu-Wau-Wau, bem como a morte Dom e Bruno, reforçam a necessidade de proteção das Terras Indígenas e de seus habitantes. São necessárias medidas urgentes para tirar os invasores e a adoção de políticas que, de fato, garantam a proteção territorial, cultural e da vida dos povos originários. Quanto ao homem preso hoje, esperamos que as perguntas que ainda existem sejam respondidas, que a Justiça seja feita e que casos como este não se repitam. 

Associação do Povo Indígena Uru-Eu-Wau-Wau – Jupaú Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé Porto Velho, 13 de julho 2022

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